terça-feira, 7 de julho de 2015

Redescobrindo a Igreja Mãe do Presbiterianismo


 
  Série de artigos sobre o Presbiterianismo High Church

Por D. G. Hart
Tradução e Adaptação de Allan A. Antonio
 

O que é high church e low church?

O termo “high church” ou "alta igreja" refere-se a crenças e práticas de eclesiologia, liturgia e teologia, em geral, com ênfase na formalidade dos cultos e resistência à "modernização". Embora usado em conexão com várias tradições cristãs, o termo se popularizou pelas práticas da Igreja Anglicana. As igrejas da tradição “high church” comumente possuem uma teológica rica e conservadora, ao passo que também adotam princípios reguladores de culto, orações escritas, música sacra, uso de vestes pastorais, responsos, proibição de palmas e outros elementos da tradição litúrgica histórica. As igrejas high church são, essencialmente, igrejas históricas.

O conceito oposto ao de “ Alta Igreja”, é o conceito “ low church” ou “Baixa Igreja”. Esse termo corresponde às Igrejas liturgicamente e eclesiológicamente mais contemporâneas. Essse tipo de igreja corresponde (atualmente) ao maior número de igrejas dentro da tradição protestante brasileira

 

Vista externa da Catedral de Santo Egídio (St. Giles' Cathedral) - A Igreja de John Knox - pai do Presbiterianismo.


Os termos “high church” e “Presbiterianismo” raramente são encontrados juntas, e por uma boa razão. Presbiterianos anglo-americanos e seus irmãos reformados do continente europeu não têm se distinguido por possuírem refinadas sensibilidades litúrgicas e nem mecanismos altamente eficientes de proteção do clero. É claro que para os herdeiros de Calvino uma boa teologia é fundamental, mas no espectro eclesiástico protestante, partindo de uma visão “low church” para uma visão “high church”, o melhor que presbiterianos podem fazer é posicionarem-se onde os congregacionais se posicionam, isto é, no meio, com luteranos e episcopais acima e batistas e metodistas abaixo. Talvez isso explique o velho ditado que retrata os batistas como sendo metodistas que usam sapatos, e os presbiterianos como batistas que sabem ler.

Por mais adequado e pertinente que possa parecer para um presbiteriano  habitar em meio às moderadas noções protestantes sobre liturgia e ministério da Igreja, é bem verdade que caso a grande maioria fosse abandonada à própria sorte, ela invariavelmente desceria às regiões mais baixas da sensibilidade eclesiástica.

Então, para batistas que estão trilhando seu caminho para cima, optar pelo presbiterianismo é uma escolha feliz, uma vez que essa mudança raramente demanda ajustes significativos que vão além do Batismo Infantil.



Vista interna da Catedral de Santo Egídio (St. Giles' Cathedral)

 
Minha esposa e eu fomos criados em congregações batistas fundamentalistas nos Estados Unidos, mas agora pertencemos à Igreja Presbiteriana Ortodoxa (Orthodox Presbyterian Church), uma federação de igrejas reformadas, em grande parte de linha “low-church”. Cinco de nossos seis irmãos e irmãs são membros do equivalente sulista da OPC, a Igreja Presbiteriana na América (Presbyterian Church in América – PCA).

Embora possa soar como uma anedota, tal fato confirma a tese de que o presbiterianismo não é uma extensão da fé batista. Em verdade pode ser a preferência denominacional para batistas experimentando certa mobilidade social ascendente, mas enquanto o presbiterianismo oferece uma forma mais clássica de Cristianismo protestante para batistas, seus impulsos “low-church” são em forma de legiões de crentes que desejam uma forma mais sóbria e formal de expressão de devoção.

Nós podemos estar muito distantes daquilo que é exposto por Robert Webber em sua obra intitulada “Evangélicos na trilha de Cantuária”, para dizer que presbiterianos em busca de um modelo mais sério estão se tornando Episcopais. Isso pode ter sido verdade durante os anos 70, mas atualmente presbiterianos buscando certa mobilidade eclesiástica têm tido suas opções expandidas e podem ser agora encontrados entre ortodoxos orientais e católicos romanos.

Rara é a congregação Presbiteriana que oferece a essas almas, liturgicamente centradas, um lar confortável.  Alguns outros presbiterianos tentando extrair certa graciosidade litúrgica de uma tradição que parece não ter nenhuma tendem para uma forma mais clássica de adoração mista. Em vez de introduzirem “louvores” e coros dentro de uma versão padrão de presbiterianismo, aqueles que buscam maior formalidade acabam importando para cultos presbiterianos elementos litúrgicos de outras tradições “high church”.

Tendo esses dados em mente, a questão que permanece sem resposta é: “pode um Presbiteriano ser adepto do modelo high church?” ( continua no próximo artigo).

 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Constituição, Sociedade e Indiferença


Rei João da Inglaterra assina a Magna Carta em 1215



A criação do Estado Constitucional representou sem dúvida alguma um imenso avanço na história da sociedade Ocidental. Suas bases foram, sobretudo, lançadas ao longo de todo o século XVI, especialmente no período da Reforma Protestante liderada por mentes como John Wycliffe, Erasmo de Roterdão, Martinho Lutero e João Calvino. 

Logo após um período de indefinição política na Europa, a Reforma Protestante trouxe à tona a necessidade da criação de um modelo de Estado Constitucional que garantisse os Direitos Fundamentais, Naturais e Inatos da humanidade para todos os seres humanos. 

O pensamento Reformado baseava-se largamente nas concepções de dois grandes filósofos da tradição Ocidental: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. As concepções trazidas por eles foram trabalhadas pelos reformadores de modo que a nova concepção jurídica e filosófica do homem passaria a enxergá-lo de uma maneira total e não compartimentada.

As questões inerentes à natureza humana e a natureza terrena “per se”, passaram a ocupar um espaço no debate acadêmico, do mesmo modo que as questões espirituais ocuparam durante toda a Idade Média de maneira hegemônica. Surgia daí a necessidade de um Estado que procurasse guardar não só a integridade espiritual da comunidade, mas também sua dignidade física, moral e intelectual.

De acordo com a cosmovisão dos reformadores, a humanidade estava dividia em três grandes momentos, a saber: (1) Criação, (2) Queda e (3) Redenção. Partindo dessa perspectiva, os seres humanos foram criados todos iguais por Deus e possuíam a “Imago Dei” (“A Imagem e semelhança de Deus”), portanto, todos os seres humanos eram dotados de dignidade intrínseca e inata e sua dignidade e Direitos deveriam ser reconhecidos e protegidos pelo Estado em sua Constituição.

Por outro lado, na mesma linha defendida pelo filósofo inglês Tomás Hobbes anos mais tarde, o Homem não era naturalmente bom e possuía comportamentos autodestrutivos e destrutivos para com os demais membros da sociedade, devido às consequências da Queda e sua consequente separação do “Divino”. Em outras palavras, o Homem não era essencialmente bom.
Dessa maneira, o Estado seria obrigado a criar mecanismos preventivos de proteção aos Direitos Humanos. Nessa altura, tais mecanismos já haviam sido incorporados indiretamente nas constituições escritas e não escritas de diversas nações ocidentais.

Em que pese à cadência humana e a tendência natural para violação e indiferença aos Direitos Constitucionais, verificada pelos Reformadores e posteriormente pelos Constitucionalistas influenciados por este pensamento, entendia-se que a humanidade caminhava para uma Redenção futura. Isso significava que através da preocupação com a salvaguarda dos Direitos Constitucionais e com a correta e dosada preocupação com as questões que ultrapassavam o limite da realidade natural objetivamente verificável, o Estado conseguiria atingir seu fim pleno: A tutela e proteção da Vida Humana em seus mais diversos aspectos. Partindo dessas premissas trazidas pela filosofia e pela teologia, é que hoje se estrutura o “Rule of Law”.


O Estado Constitucional não poderia mais se furtar com indiferença das necessidades que brotavam no seio da comunidade humana.  As minorias não poderiam mais ser esmagadas, mas a maioria teria o direito de se manifestar e conduzir democraticamente os rumos da sociedade. Desse modo a sacralidade da vida humana em todos os seus aspectos seria perpetuamente protegida por um Documento Constitucional criado através de processos formais ou históricos.

sábado, 18 de abril de 2015

São Paulo é uma cidade encantadora!



Tradicional família japonesa do início do Séc XX


Confesso que um dos lugares que mais gosto de visitar em São Paulo é o bairro da Liberdade. O bairro é tradicionalmente conhecido como a sede da comunidade japonesa em São Paulo.

Não sou japonês e nem tenho nenhuma ascendência oriental, mas o povo japonês cultiva qualidades que pessoalmente me agradam muito, como:

1. Eles preservam sua herança cultural, lingüística e étnica - É fácil notar num simples passeio pelas ruas do bairro, o apego que eles têm com sua escrita (várias bancas de jornal vendem periódicos em japonês e outras línguas orientais), fácil também é perceber que valorizam a comida tradicional e os objetos artísticos que eles mesmos produzem.

Percebi a presença de muitos ocidentais nos três mercados especializados em produtos japoneses que visitei, mas mesmo assim percebi um número razoável de clientes fiéis da própria comunidade que optam por comprar produtos de origem japonesa.

Crianças, adolescentes, jovens e idosos, não importa! Todos estavam comprando produtos de origem oriental e como se não bastasse, pasmem: muitos (inclusive crianças pequenas) se comunicavam em japonês! Mal sabiam andar, mas já ensaiavam as primeiras palavras do idioma de seus ancestrais.  Realmente me senti privilegiado por presenciar aquilo. Foi verdadeiramente uma experiência muito rica.

A longevidade deles também é algo admirável. É comum ver dezenas de senhores e senhoras, de idade bem avançada, caminhando pelo bairro. Eles envelhecem bem, sabem se cuidar, mas ao mesmo tempo sabem aproveitar os lícitos prazeres de uma vida pacata. (Temos que aprender a fazer isso aqui no ocidente).


Outro aspecto interessante é notar que muitos orientais (não apenas japoneses), preferem namorar, noivar e casar com parceiros de sua própria comunidade.  Confesso que pessoalmente, pensei que essa era mais uma daquelas tradições antigas que ninguém mais utilizava hoje em dia, mas para o meu espanto vi dezenas de casais orientais jovens circulando pelas ruas do bairro.  Não sei o porquê isso acontece,  talvez  seja por simples afinidade cultural. Talvez seja mais fácil e menos conflituoso ter um relacionamento com que entende a realidade em que você e sua família vivem. Talvez seja mais simples não ter que ensinar seu parceiro a comer de “hashi”, ou mesmo explicar por que algumas famílias comemoram o ano novo em duas datas distintas.


Não tenho idéia do por que existe essa valorização e incentivo de relacionamentos dentro da própria comunidade, mas confesso que é algo realmente bonito de se ver.

Família japonesa nos dias atuais - Tradição e modernidade caminham lado a lado


2. Eles preservam valores como respeito, trabalho, paciência e gosto pela arte - Em que pese à presença de pessoas de outros lugares no oriente (chineses, coreanos etc), é incrível observar o gosto em comum que eles têm pelo trabalho.  Não importa o ramo: restaurantes, lojas de roupas, consultórios odontológicos, escritórios de advocacia, escritórios de engenharia, lojas de música,  loja de cosméticos, quitandas, mercadinhos, barraquinhas de artesanato, barraquinha de comida, jornaleiros, vendedores de produtos de procedência questionável e até  academias de artes marciais... Tudo é sempre um negócio familiar! É bem comum ver os filhos dos proprietários do negócio passando o dia com seus pais no trabalho ou mesmo tomando parte nos negócios da família.  Pelo que pude perceber em conversas rápidas com alguns membros da comunidade, é que esse tipo de estrutura garante para toda família um meio seguro de subsistência, preserva o contato familiar e ainda por cima garante que o dinheiro sempre circule dentro da própria comunidade. Incrível, não? Medidas tão simples que geram resultados tão sólidos.

É impressionante a consideração que os próprios japoneses demonstram ter com os seus idosos.  Não importa onde, for sempre encontrará um idoso sentado, observando a vida, palpitando, trabalhando ou simplesmente brincando com os netos.  Ao contrário do que temos praticado aqui no ocidente de maneira geral, o idoso parece ter um lugar na sociedade.

No tocante a arte não há muito que ser dito. Eles definitivamente se orgulham do que produzem.  Excelentes academias de artes marciais, música tradicional, quadros, artesanatos diversos, fotos, colecionismo e tudo mais que possa envolver um sentimento de identidade cultural.

Pois é, percebi que os orientais de modo geral têm muito a nos ensinar a respeito do que de fato significa valorizar suas raízes e sua cultura. Nós ocidentais temos sistematicamente negligenciado nossas raízes, nossa cultura e nossa fé.  Talvez, justamente nesse sentimento de amor, pertencimento, gratidão, honra e respeito que resida o verdadeiro significado do quinto mandamento: “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor Deus,  te dá.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Reflexões acerca da quaresma sob uma perspectiva Reformada - Por Allan A. G. Antonio







Muitos cristãos verdadeiros têm rejeitado, seja por desconhecimento, seja pela imediata associação com o catolicismo romano, os ensinamentos trazidos pela correta observação do tempo da quaresma. Contudo, esta data celebrada pela Igreja que é, em resumo, o tempo litúrgico reservado especialmente para refletirmos sobre a conversão, as doutrinas da Fé, da Graça, além de ser um momento fundamental de preparação individual e em grupo para o tempo de Páscoa. A quaresma possui raízes muito mais profundas do que a maioria desses cristãos devotos imaginam.

A palavra ‘quaresma’ tem origem na junção de duas palavras oriundas do Latim, “quadragesima” (Quadragésimo) + dies (dia), fazendo, assim, referência ao tempo de 40 dias que antecedem a Páscoa. Sua celebração faz parte da história da Igreja Cristã e de sua tradição, assim como a prática de orar fechando os olhos. Ela é fundamentalmente um período em que devemos refletir na Palavra do Senhor e nos Catecismos, pedindo ao Todo-Poderoso que nos prepare para compreender e viver a celebração da Páscoa em sua integralidade.

Ao que tudo indica, a celebração da quaresma costumava seguir imediatamente a celebração da Epifania, tal qual a peregrinação de Jesus pelo deserto, era seguida imediatamente de seu batismo. Entretanto, logo nos primórdios da Igreja (por volta do século IV d. C.), a celebração da quaresma foi associada à da Páscoa, visto que é uma ocasião propícia para a realização de batismos, profissões de fé, e reconciliações daqueles que haviam sido excluídos da comunhão por faltas graves (isso explica o fato das principais características da quaresma serem autoexame, arrependimento, estudo da palavra e preparação para a Páscoa).

Enquanto os candidatos ao Batismo eram instruídos na Fé Cristã e os penitentes arrependidos preparavam-se por meio do jejum, da oração e do estudo das Sagradas Escrituras a fim de serem readmitidos à comunhão, toda a comunidade cristã era convidada a se juntar a eles no processo de estudo e arrependimento ao longo dos quarenta dias que antecediam a Páscoa. Durante esse tempo, os fiéis eram lembrados também da tentação que Nosso senhor Jesus Cristo suportou no deserto.

Visto não ser um sacramento, a quaresma não é de observação obrigatória, nem está diretamente ordenada nas Escrituras; no entanto, ela não deve ser rejeitada pelo fato de não ser diretamente citada na Bíblia.
Observe-se também que, ao contrário do que possa parecer, a escolha do número exato de quarenta dias não foi aleatória e arbitrária, mas foi feita com base na importância dada pela Bíblia ao número quarenta. Algumas passagens que evidenciam muito bem a relevância do numero em questão nas Escrituras são:

I) por quarenta dias e quarenta noites o dilúvio durou ( Genesis 7:4-12);
II) por quarenta dias Moisés permaneceu no monte Sinai, recebendo a Lei de Deus (Ex. 25:1-8);
III) por quarenta anos reinaram Saul (Atos 12:21), Davi (II Samuel 5:4-5) e Salomão (I Reis 11:42);   
IV) por quarenta dias nosso Senhor Jesus foi tentado no deserto (S. Mateus 4:2);       
V) por quarenta dias o Senhor Instruiu seus discípulos antes da Ascensão (Atos 1:1-3).

A quaresma não deve ser entendida como algo místico ou dotado de algum poder mágico especial. A observância desse período tem como único objetivo trazer o cristão ao centro da vida cristã, enfatizando o estudo da Palavra, a oração, o jejum e a prática da caridade Cristã (para maiores detalhes sobre a verdadeira Caridade Cristã, consulte o livro “Charity and its Fruits” escrito por Jonathan Edwards). Evidentemente, tais virtudes não devem ser cultivadas apenas durante o tempo da quaresma como se fossem obrigações legalistas e através das quais se alcançaria o favor Divino. Muito pelo contrário. A quaresma é o tempo propício para que o Cristão reflita e retome alguns aspectos da vida Cristã que podem haver sido perdidos ou enfraquecidos ao decorrer da caminhada de fé em razão da decaída natureza humana.

Assim fica fácil concluir que a observação da quaresma não se trata de uma prática idólatra, sem fundamento, carregada de misticismo e dispensável como dizem alguns. Antes de tudo, tal celebração é um convite ao arrependimento e à retomada de uma vida Cristã frutífera.